quinta-feira, 20 de junho de 2013

PLANO AGACHE



      Ideias originais saíram das pranchetas e ganharam vida em Curitiba. Aliar inovação a efetivas implantação e continuidade foi o diferencial da capital paranaense.

       Falar de Curitiba costuma causar um certo frenesi quando se está em qualquer lugar fora do Paraná – ainda mais se o interlocutor não conhece a cidade. De pronto, começa a série de perguntas sobre a “cidade dos tu­­bos”, o funcionamento do transporte coletivo, as vias exclusivas, os ônibus “minhocões-semi-me­­trôs”. Como explicar tantas “ferramentas” urbanas inovadoras? Curitiba, na verdade, é o resultado de todos os planos urbanísticos, junto com seus atropelos, erros, desvios e acertos, num continuo processo de desenhamento e redesenhamento da cidade.
        De uma maneira ou de outra, a cidade já vem sendo “riscada” desde 1800, com iniciativas de revisões de zoneamento e leis esparsas. Em 1943, porém, com o Plano Agache é que a cidade vê nascer formalmente seu pjanejamento urbano.

       O plano polêmico, de influência francesa, desenhava a cidade a partir de círculos concêntricos e grandes avenidas radiais, perimetrais e diametrais – as avenidas Kennedy, Nossa Senhora da Luz e Wenceslau Brás são resquícios dessa época – e a importância do carro passa a ser levada à maxíma potência, numa tentativa de preparar a cidade para um futuro com vias para lá de motorizadas. Foi o Agache também que lançou as bases para a setorização de Curitiba, com a reserva de áreas para o Centro Cívico, Centro Desportivo (no Tarumã), a Cidade Universitária (onde hoje se localiza o Centro Politécnico) e área industrial (no Rebouças).

       O plano francês, porém, não conseguiu romper por completo a barreira das pranchetas em solo curitbano. “O plano [Agache] previa estruturas grandiosas para a época com uma projeção do futuro, mas não teve uma construção efetiva”, explica o presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), Cléver Teixeira de Almeida.

       “O Agache era bonitinho, mas não resultou em quase nada. Ele era grandioso, excessivo, irreal”, comenta o professor de Teoria da Arquitetura da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e da Universidade Positivo (UP) e autor do livro Nenhum Dia sem uma Linha: uma História do Urbanismo em Curitiba, Irã Taborda Dudeque.

       Foi o plano diretor de 66, revisado em 2004 para adequação ao Estatuto das Cidades, na verdade, que lançou as diretrizes para a capital paranaense, que são seguidas até hoje e que dão, de forma geral, a “cara” que Curitiba tem. “Curitiba vivia um processo de crescimento desordenado com êxodo rural. A cada dez anos duplicava a população. Era preciso se antecipar aos problemas”, conta Cássio Taniguchi, ex-prefeito e atual secretário de planejamento do estado, ao referir-se ao contexto da época de elaboração do novo plano.

       O tal novo plano, elaborado a partir das ideias concebidas em 65 por Jorge Wilheim e pela  ]empresa Serete e detalhado em seguida pelo Ippuc, ao contrário do Agache, previa uma linearização para a cidade, que permitia induzir o crescimento ao longo de eixos estruturais de maneira ordenada. “Era outra filosofia. Com esse modelo, Curitiba se adiantava levando estrutura [aos eixos], promovendo um crescimento ordenado”, comenta Almeida. “A Linha Verde, por exemplo, é um resultado desse processo”, explica.

       Para traçar as linhas mestras do plano, Wilheim estudou os caminhos indígenas. A partir dos achados, conseguiu determinar para onde a cidade crescia. E foram esses locais os determinados para receber os eixos estruturantes. “O plano propunha que se incentivasse séculos de uma tendência já consolidada”, observa Dudeque.

       Nos eixos extruturais, o plano Wilheim previu vias exclusivas para ônibus, vias locais com uma pista de cada lado, além de três pistas rápidas de cada lado. Na hora de implantar o sistema trinário, ao invés de fazer grandes desapropriações, veio a sacada curitibana: dividir o sistema e livrar-se de uma avenida larga e árida para a vida de uma cidade. O resultado é o que hoje encontra-se por todos os lados na cidade: uma via exclusiva para ônibus com vias locais e vias rápidas alocadas a uma quadra de distância de cada lado do eixo principal. Estava concebida uma das marcas curitibanas.

       Daí para frente mais inovações se somaram fazendo a cidade entrar na vanguarda do planejamento urbano, como, por exemplo, um sistema de ônibus que funciona nos moldes de um metrô – com estações de embarque em nível e pagamento antecipado da passagem – , mas claro, com preço infinitamente mais barato.

       Além de colocar o transporte coletivo como principal ator do planejamento urbano da cidade, ao contrário do que fazia o Agache, o plano de 65 também passou a dar vez para o pedestre. Foi a partir de suas diretrizes que o poder público resolveu fechar para carros a rua mais importante da cidade, transformando a XV num grande calçadão. Medida polêmica na época, mas é impossível hoje imaginar a cidade sem a Rua das Flores.

       Para entender como o plano de 65 fez de Curitiba o que a cidade é hoje, o arquiteto e urbanista, ex-prefeito de Curitiba e ex-governador do Paraná Jaime Lerner indica um exercício simples. “É só tentar imaginar a cidade sem as estruturais, sistema expresso, parques.”

       Outra sacada do plano de 65 foi investir no mix em vez de na setorização propagada por Agache. “Você tem trabalho, moradia, lazer, recreação, tudo perto. O modelo de suburbanização americana é o fim da picada. A cidade compacta é a melhor alternativa e Curitiba é uma cidade compacta”, diz Taniguch.




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